quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O inimigo mora ao lado


João Gabriel nunca teve medo de monstros. Zumbis, vampiros, múmias, fantasmas e todos os outros tipos de criaturas que colocam medo em criancinhas (e até em alguns adultos) nunca o assustaram. Aliás, ele adora desenhar caveiras e seres amedrontadores. E os desenha muito bem, por sinal.
Muita gente me aconselha a coibir esse tipo de ilustração, mas isso nunca me incomodou. Sempre achei que existem muito mais coisas no nosso dia a dia e na vida real que ele precisa temer.
Os monstros mais perigosos não têm muitos braços e muitas pernas. Eles não têm a face deformada. Eles não fedem. Os monstros mais perigosos estão por aí, à solta, disfarçados de gente normal, infiltrados dentro da nossa casa. Eles comem criancinhas, roubam sonhos. Eles espancam idosos.
Infelizmente, no último domingo, monstros como esses invadiram o sítio da minha tia Lia, irmã mais velha do meu pai. Arrombaram a porta e amarraram as mãos e os pés dela, e do seu marido, tio Mário, um italiano de 67 anos que nunca havia feito mal a ninguém.
Os monstros estavam encapuzados, talvez para não permitir que tal desumanidade enrubescesse suas faces com características ainda humanas. Talvez para esconder tamanha maldade de si mesmos. Talvez para não serem reconhecidos.
Mas a minha tia reconheceu. Ela viu nos olhos de um deles o mesmo olhar de um rapaz que morava nas redondezas, que um dia já havia jogado bola com seus netos, que em outra ocasião andava pelo quintal do sítio para capinar e arrancar as ervas daninhas.
E ela não imaginava o dano que ele poderia causar.
Esses mesmos olhos disseram: “Dona Lia, não se preocupe, nós vamos te matar, mas a senhora não vai sofrer”. .. Depois de muito apanhar, minha tia fingiu de morta para sobreviver. Mas o seu marido não.
E agora, como explico para o João Gabriel que o tio italiano que estava pescando com ele no domingo perdeu a vida naquele mesmo dia? Como explico a violência sofrida pela tia que naquele dia nos recebeu tão bem?
Pensando bem, não tem como explicar, até porque não dá nem pra entender. Como também não dá para entender o fato de não estarmos seguros dentro da nossa própria casa; a nossa liberdade aprisionada; a impossibilidade de se andar com um Ipod nas ruas ou de se usar um Ipad no restaurante da esquina porque o dispositivo comprado com o suor do nosso trabalho pode despertar a cobiça dos transeuntes; a preocupação que nos afronta quando nossos filhos não estão ao alcance de nossos olhos; o medo que nos faz companhia noite e dia.
Tome cuidado, meu filho. Os monstros estão por todos os lugares.  E não é fácil mensurar a maldade que existe por trás de suas plácidas feições humanas.